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GAGACABANA: O espetáculo de uma vida e o império capitalista

Atualizado: 7 de mai.

Show de Lady Gaga no Rio de Janeiro explicita preços abusivos de eventos culturais


Durante sua apresentação, a artista demonstrou carinho aos fãs brasileiros diversas vezes (Foto: Reprodução/Instagram)
Durante sua apresentação, a artista demonstrou carinho aos fãs brasileiros diversas vezes (Foto: Reprodução/Instagram)

Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2017. Na véspera de sua aguardada apresentação no Rock in Rio, uma das principais atrações do festival, a cantora Lady Gaga, cancelou sua participação no evento por problemas de saúde. A artista, que desembarcaria na capital fluminense naquele dia, alegou fortes dores físicas causadas pela fibromialgia, uma síndrome que provoca dores e fraqueza generalizadas na musculatura do corpo. O anúncio gerou uma onda de comoção vinda dos fãs, que demonstraram apoio à artista ao mesmo tempo em que lidavam com a realidade de um sonho frustrado.

Essa seria a segunda vez da cantora no Brasil, após um intervalo de cinco anos desde a sua primeira apresentação no país. Expressando sua vulnerabilidade diante da doença crônica, Gaga emitiu um comunicado em suas redes sociais, desculpando-se pelo cancelamento repentino. "Brasil, estou arrasada por não estar bem o suficiente para ir ao Rock In Rio. Eu faria qualquer coisa por vocês, mas preciso cuidar do meu corpo agora. Peço por sua bondade e compreensão, prometo que vou voltar e cantar para vocês em breve. Me desculpem e eu amo muito vocês", escreveu.

Nascida Stefani Joanne Angelina Germanotta, em Nova Iorque, Lady Gaga é uma cantora, compositora, atriz e performer norte-americana. Reconhecida por sua versatilidade musical, visual ousado e performances teatrais, Gaga alcançou o estrelato mundial em 2008, mantendo-se nos holofotes até os dias atuais. Dona de hits como Just Dance, Poker Face e Bad Romance, com mais de 170 milhões de álbuns vendidos, 14 Grammys, dois Globos de Ouro e um Oscar, a artista construiu uma carreira marcada pela versatilidade sonora. Seu repertório abrange do pop dançante ao country, do house ao rock pesado — e essa multiplicidade é refletida em seu público diverso, os chamados little monsters.

No palco, Gaga é também um manifesto visual. Ao longo da carreira, usou a moda como forma de protesto, questionamento e expressão, dando visibilidade para estilistas em ascensão — como Alexander McQueen. O icônico vestido de carne usado no VMAs de 2010, por exemplo, virou símbolo global de contestação e um exemplo de como a artista transforma a excentricidade em reflexão. Ao lado de sua mãe, Cynthia Germanotta, fundou a Born This Way Foundation, que atua na promoção da saúde mental e no acolhimento de jovens LGBTQIA+. Seu engajamento social e político é parte inseparável de sua arte, e ela não hesita em usar sua plataforma para amplificar causas urgentes.

A artista é conhecida por se envolver profundamente em todos os aspectos de seus projetos. Ao contrário de muitas estrelas pop, ela participa ativamente do processo criativo de seus trabalhos. Esse comprometimento é perceptível em cada detalhe de sua apresentação. A Haus of Gaga, sua equipe criativa pessoal, é responsável por grande parte do seu estilo icônico e visualmente impactante. O coletivo possui um museu em Las Vegas, que celebra esse legado visual com a exibição de peças usadas em clipes, premiações e turnês.

Desse modo, o anúncio do megashow gratuito em Copacabana, feito em fevereiro, deixou os fãs brasileiros em êxtase. A espera de 13 anos para o retorno de Lady Gaga ao Brasil transformou sua apresentação em Copacabana em um evento cercado por enorme expectativa. Para muitos fãs, tratava-se de uma oportunidade única e imperdível de ver ao vivo uma das maiores artistas do mundo, a realização de um sonho — especialmente após o cancelamento de sua apresentação no Rock In Rio. Entretanto, apesar do clima de celebração, parte do público foi surpreendida pelos altos valores de passagens e hospedagem durante o período do evento, levantando debates sobre a democratização do acesso à cultura no país.

Em um levantamento feito pela equipe ARTPOP, no trecho Rio-São Paulo, os preços das passagens de ônibus tiveram um aumento de 207,9% em relação à média. As passagens aéreas não ficam para trás, com um aumento de 500.9%. Entretanto, os valores de hospedagens apresentaram maior variação; utilizando como base um hostel — acomodação com quartos compartilhados e áreas de convivência para interação entre os hóspedes, que oferece preços mais acessíveis — houve um aumento de 1.374,7% numa estadia de três dias.


Comparativo entre os valores médios de passagens e hospedagem no Rio de Janeiro
Comparativo entre os valores médios de passagens e hospedagem no Rio de Janeiro

A advogada Eliane Ferreira, de Uberlândia, é fã de Lady Gaga há anos e admira a artista por suas performances extravagantes, que envolvem música, dança e figurinos. Ela ainda afirma que após assistir o filme Nasce Uma Estrela, protagonizado por Gaga ao lado de Bradley Cooper, ficou ainda mais aficionada. “Para mim, ela  é uma artista inigualável”, destaca.

Entretanto, para realizar a sua viagem, ela diz que se preparou desde antes do anúncio oficial, pesquisando os preços mais acessíveis com o auxílio da ferramenta Google Flights, pois tinha conhecimento de que se adiasse a compra, correria o risco de pagar valores mais altos. “Tem uma certa exploração também. Fica próximo do evento e todo mundo explora, aumentam os preços”, comenta a advogada.

O estudante Pedro Ricardo, de Mauá, no ABC Paulista, é um entusiasta casual da cantora e decidiu comparecer ao show por ser um evento de grande porte, realizado de forma gratuita. Contudo, afirma que não se planejou bem. Ele e o namorado não tiveram que se preocupar com a hospedagem, pois foram convidados a ficar na casa de uma amiga no Rio, mas foram surpreendidos pelo preço das passagens de ônibus. “Pagamos R$1.200,00 ida e volta para duas pessoas, o que achei muito caro. Comparado com o valor do ônibus na época do Rock in Rio, por exemplo, foi um preço absurdo”, acrescenta.

Ele destaca que após o anúncio do show, os preços ficaram abusivos, quando comparados ao de eventos semelhantes e que isso acaba dificultando a participação de um  público maior. “É uma chance para muitas pessoas que não teriam condições de pagar por um show internacional. Mas, ao mesmo tempo, os custos com transporte e hospedagem continuam sendo uma barreira. Então, mesmo gratuito, o evento nem sempre é realmente acessível para todos”, conclui o estudante.

A estagiária Vitória Ferreira, de Mauá, tem Lady Gaga como uma referência desde criança e decidiu marcar presença no show para realizar um sonho. “Além de ser um show histórico e o maior da carreira da Gaga, decidi ir porque ela é uma referência como diva pop para mim, desde criança. Poder vivenciar essa experiência com meus melhores amigos é um sonho de infância sendo realizado”, revela.

Vitória relata que ela e os amigos resolveram viajar para o Rio antes mesmo da confirmação oficial do show. Assim que os rumores começaram, ela começou a guardar dinheiro. Eles decidiram ir de ônibus, pelo preço mais acessível, mas a escolha da estadia foi mais complexa, pois precisavam da confirmação do show e de quem realmente iria. “Os preços de hospedagem e passagem claramente aumentaram depois do anúncio do show, ainda mais juntando com o fato de ser um feriado prolongado. Os preços foram abusivos e eu apenas consegui pagar a viagem, porque me programei com bastante antecedência”, ela finaliza.

Segundo dados da Rodoviária Novo Rio e do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), desde o início da semana, o Rio de Janeiro já sentia os reflexos da chegada de turistas para assistir o espetáculo. Todavia, a estimativa inicial de 240 mil visitantes foi amplamente superada, com mais de 500 mil pessoas desembarcando na cidade entre os dias 1º e 3 de maio. 

De acordo com estudo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE) em parceria com a Riotur, a apresentação gerou um impacto econômico significativo e deve injetar mais de R$ 600 milhões na economia carioca, impulsionando setores como hotelaria, gastronomia, transporte e comércio.


O ESPETÁCULO DE UMA VIDA

Em meio a uma multidão de leques coloridos, uma projeção da Lady In Red (uma das personas de Gaga para o seu mais recente álbum: Mayhem) é exibida no palco. Minutos depois, as luzes são diminuídas e então, apagadas. Acompanhada por uma ópera, Lady Gaga sobe ao palco, causando um frisson no público que aguardou seu retorno por treze anos. 

Na noite anterior, a artista norte-americana realizou um ensaio público em Copacabana. Uma multidão de admiradores se reuniu ao redor das grades de proteção que delimitavam o palco, apenas para assisti-la performar uma pequena fração de seu repertório. “Brasil, eu senti tanta saudade. Sei que esse não é o show oficial, apenas o ensaio, mas já se parece com o show real. Depois da próxima música, vou dormir para o show de amanhã”, disse a artista antes de sair do palco.

No show oficial, a artista emocionou os fãs ao adaptar figurinos com as cores da bandeira do Brasil, carregar as bandeiras do país e da comunidade LGBTQIA+ pelo palco, e ao ler uma carta de agradecimento, demonstrando sensibilidade e respeito pelos fãs que a aguardaram pacientemente e acolheram de forma calorosa depois de anos. "De todas as coisas das quais eu poderia agradecer, a que mais me toca é esta: vocês esperaram por mim. Vocês esperaram mais de dez anos […] Eu amava vocês há dez anos e ainda amo hoje. Obrigada Brasil! Eu amo vocês para sempre", disse nas areias de Copacabana.

O espetáculo apoteótico gratuito de Lady Gaga na Praia de Copacabana atraiu 2.1 milhões de fãs, estabelecendo o recorde de maior público em um show solo de uma artista feminina. Um marco na história da música pop no Brasil, um símbolo de resiliência e conexão entre artista e público, e a consagração definitiva de uma estrela que, ao mesmo tempo em que inspira milhões, nunca deixa de desafiar os padrões sociais de modo provocativo e artístico.

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