Pop em cartaz: Por que só estamos assistindo a remakes?
- Guilherme William
- 2 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de mai.

Se o pop fosse um filme, ele estaria sendo projetado em um estúdio de Hollywood, onde cada "personagem" é só uma versão atualizada de algum herói de um outro filme do passado. O que vemos hoje em dia não é mais novidade, pois, em meio a tantos remakes de filmes, o gênero musical segue o mesmo caminho: o que parece ser uma ideia nova, na verdade, é só uma reciclagem do que já foi feito antes.
O gênero, que já foi sinônimo de originalidade e rebeldia, virou uma máquina de nostalgia, na qual até os “novos ídolos” são criados à imagem de quem já existiu. O mercado não está mais buscando a próxima revolução, mas sim a próxima referência. Em vez de desafiar, a música pop se acomodou com o déjà vu.
Essa lógica se revela com uma clareza desconfortável nas ideias que Adorno já apontava anos atrás. O que ele chama de "Indústria Cultural" é, justamente, esse sistema em que a arte deixa de ser expressão e vira produto. Tudo é fabricado para parecer diferente, mas ser igual. A novidade não pode existir de verdade, só simular que existe porque o risco é ruim para o lucro. A cultura vira um catálogo de escolha múltipla: parece que você tem opção, mas todas já foram mastigadas por você.
Se você sente que já viu aquele clipe, já ouviu aquela batida, já conhece aquele artista antes mesmo dele fazer sucesso, não é paranoia. É método. A produção cultural em massa funciona na lógica da padronização, mas com pequenas diferenças que simulam originalidade. É o mesmo com cara de novo, para ninguém estranhar ou sair da zona de conforto. Engana-se quem pensa que é apenas um acidente do sistema. Esse é o sistema.
A repetição sistemática não só afeta o gosto, mas também o pensamento. A crítica, o olhar mais atento, vai sendo anestesiado. Nós normalizamos consumir sempre as mesmas coisas, e o estranho passa a ser rejeitado — não porque é ruim, mas porque é incômodo. A arte, que deveria expandir horizontes, acaba estreitando-os.
Quando pensamos no universo do pop internacional, inevitavelmente, lembramos de ícones como Madonna, Michael Jackson ou Britney Spears. Nos anos 1990, Britney foi vendida como a nova Madonna – uma adolescente loira com uma aura de “perigo” sob um olhar inocente. Era uma versão mais doce da “Rainha do Pop”, mas tão cativante quanto. Agora, o que vemos é a indústria retomando esse ícone, como se fosse uma verdadeira demanda do público.
É nesse ponto que a teoria da Escola de Frankfurt entra em cena, como uma trilha sonora que já ouvimos antes. A ideia de que o público “pede” esse tipo de produto é falaciosa. O consumidor não é soberano, é o objetivo. A indústria antecipa o desejo e já entrega mastigado. A fórmula é simples: pegue os sucessos dos anos 2000 como o de Britney, adicione um pouco de glamour, coloque uma batida diferente do TikTok e pronto — o hit musical do momento.
Um exemplo disso é como a cantora Tyla, jovem artista de 22 anos natural da Jamaica, e que tem feito grande sucesso no mainstream, tem sido frequentemente comparada a esses símbolos do passado. A cantora tem talento, mas a gravadora a molda como uma mistura de artistas mais consagrados como Beyoncé e Britney. E se torna difícil não perceber as semelhanças nas roupas, nos videoclipes e até na postura em cima dos palcos.
A comparação vem antes da artista e sua identidade acaba sendo definida por um déjà vu, que não a permite existir por si só. Tyla pode ter sua autenticidade, mas a indústria a limita dentro de um molde tão engessado, que tudo que poderia ser novo vira apenas referência. E, como diria Adorno, isso é feito justamente para impedir a atividade mental do espectador. A experiência estética não é mais descoberta ou surpresa, é antecipação e reconhecimento. É saber desde o começo como o filme vai acabar.

A música pop virou esse tipo de produto: algo feito para consumo rápido, no qual o ouvinte é passivo, anestesiado pela repetição. A melodia já é parecida, a estética já é familiar, e o clipe já vem com carimbo de “inspirado em”. Nós consumimos sem pensar e esse é o ponto. Porque, numa lógica de mercado, pensar é um risco inútil.
Não é sobre culpabilizar artistas. A indústria, ao priorizar a nostalgia como moeda de troca, acaba limitando o espaço para criação genuína. Hoje, o mercado parece mais interessado em fazer o público reviver o passado do que apresentar algo que nunca vimos antes. A nostalgia virou atalho para o sucesso comercial, e quando ela substitui a novidade, vira só uma receita de bolo que não se arrisca.
ENTRE O DÉJÀ-VU E O FUTURO
Lady Gaga, Harry Styles, Britney Spears, Tyla — todos eles, em algum momento, carregaram esse peso. A pressão de serem novidade e, ao mesmo tempo, serem o que já existiu. Como se a única forma de existir no mainstream fosse como um eco.
A crítica da Escola de Frankfurt, mesmo tendo se iniciado no início do século passado, continua soando atual. Eles já alertavam: quando o lazer vira extensão do trabalho, e a arte vira produto de massa. Não perdemos apenas o prazer verdadeiro, mas também a capacidade de imaginar outras coisas. A cultura, no lugar de libertar, condiciona.
Não estamos dizendo que o gênero musical morreu ou que não há mais lugar para inovação, mas a realidade é que a música pop atual se prendeu tanto ao passado, às comparações e à nostalgia, que as possibilidades de criar algo radicalmente atual se tornaram cada vez mais limitadas. E, no meio desse looping de referências, o risco é perder a verdadeira essência do que a música popular poderia ser: uma forma de expressão genuína, uma inovação cultural.
O pop ainda pode escrever seu próximo grande roteiro, mas, para isso, vai ter que parar de escalar os mesmos personagens de sempre e começar a inventar novas histórias, porque remake demais cansa até quem vive de replay.
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