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Entre palcos e estádios: A desumanização do fanatismo feminino

Atualizado: 7 de mai.


Harry Styles, cantor britânico e ex-integrante da boyband One Direction, possui uma fã-base majoritariamente feminina  (Foto: Dina Litovsky/Instagram)
Harry Styles, cantor britânico e ex-integrante da boyband One Direction, possui uma fã-base majoritariamente feminina (Foto: Dina Litovsky/Instagram)

Meados do século XIX, histeria, uma doença exclusivamente feminina. Caracterizada pela demonstração de emoções intensas partindo de mulheres, acreditava-se que era um distúrbio relacionado ao útero e à sexualidade. Aquelas que apresentavam tais “sintomas” eram vistas como disfuncionais e recebiam o diagnóstico de histéricas, como uma marca. Com os avanços da medicina, o termo entrou em desuso na área da saúde, entretanto foi ressignificado e ainda é utilizado em contextos sociais para descrever demonstrações dramáticas de emoção, perpetuando a violência contra mulheres que apresentam comportamentos fora do esperado pelo modelo patriarcal.

Anos 1960, Beatlemania. Anos 1990, Backstreet Boys. Anos 2010, Justin Bieber e One Direction. Décadas separam essas febres, mas o que elas têm em comum? A ridicularização do público consumidor, majoritariamente feminino. O tempo passa, os ídolos mudam, mas o julgamento permanece. O conceito de histeria ainda sobrevive no cotidiano e atinge, especialmente, as mulheres fãs de cultura pop. 

Representadas de maneira desumanizada, a caricatura das fãs geralmente envolve adolescentes descontroladas, sexualmente reprimidas, sem nenhum senso crítico, que têm como único objetivo casar-se com seus ídolos. Esse pastiche condiciona a maneira de meninas e mulheres expressarem seus sentimentos, moldando-as como menos sensatas que os homens.

Curiosamente, essa crítica raramente atinge os torcedores de futebol com a mesma intensidade. Um homem que viaja quilômetros para, assiduamente, assistir o seu time do coração, se emociona na arquibancada e grava o escudo de sua paixão na pele, é visto como um modelo de lealdade e devoção. Entretanto, uma mulher que cruza o país para ver seu ídolo pop – situação esporádica, que é apenas possível quando o artista está em turnê mundial –  é tratada como obsessiva e fútil. Dois lados da mesma moeda, o fanatismo, com faces moldadas e divididas por machismo e misoginia. Esse abismo simbólico entre palcos e estádios escancara a misoginia estrutural que dita a maneira como valorizamos as paixões humanas. 

Recentemente, uma conta de futebol com mais de 300 mil seguidores, no X (antigo Twitter), zombou dos fãs da cantora Lady Gaga, que estavam em frente ao Copacabana Palace, hotel em que a artista estava hospedada. "Tem que ser muito maluco para ficar nessa obsessão por um ser humano, só para receber um tchau. As pessoas estão doentes mesmo", escreveu em postagem.

O usuário não apenas reproduziu a lógica misógina, mas também a estendeu em direção à LGBTfobia. A piada implícita caçoa as fãs femininas e os fãs LGBT – homens que demonstram seus sentimentos fora do esperado pelo modelo patriarcal, portanto, de maneira "feminina". Assim, sendo ridicularizados por não serem "homens o suficiente".

A desumanização das fãs femininas escancara um padrão cultural excludente, no qual apenas certos sentimentos são considerados legítimos — e apenas quando partem de determinados corpos. A sociedade contemporânea, pautada pelo machismo, impõe regras rígidas sobre a forma como o sentimento de admiração pode ser expressado. Enquanto a devoção masculina é exaltada como paixão verdadeira, a emoção feminina é frequentemente reduzida à irracionalidade ou exagero. 

Essa lógica atinge mulheres e aqueles que fogem do modelo patriarcal — como homens LGBTs, que demonstram afeição fora dos padrões esperados de masculinidade. O fanatismo é permitido apenas dentro de fronteiras previamente delimitadas. Essa dicotomia transforma o carinho em algo risível quando parte de corpos marginalizados, ao invés de colocá-lo no lugar de humanidade e dignidade que deveria ocupar.


A CONVERGÊNCIA ENTRE FANATISMOS: UNIÃO TAYRINTHIANS

O futebol e o pop, duas faces do fanatismo que, muitas vezes, são colocadas como antagônicas, ocasionalmente convergem entre si. Em 2020, após um levantamento do perfil Timão Dados no X, torcedores do Corinthians e fãs de Taylor Swift observaram que a cantora americana influenciava o desempenho do clube paulista em campo, como um amuleto. Coincidência ou não, a superstição ganhou força nas redes sociais, já que desde a estreia de Swift – em 2006 – o Timão nunca havia perdido uma partida na semana de lançamento de um novo disco.

O fenômeno foi chamado de União Tayrinthians e a artista recebeu o título de Miss Corinthiana, em referência ao seu documentário Miss Americana, sendo considerada uma padroeira informal do clube, pois os torcedores já sabiam: se Taylor lança um projeto novo, é sorte na certa para o Timão.

Histórico de resultados do Corinthians em partidas realizadas em datas próximas aos lançamentos de Taylor Swift (Foto: Timão Dados/X)
Histórico de resultados do Corinthians em partidas realizadas em datas próximas aos lançamentos de Taylor Swift (Foto: Timão Dados/X)

Em 2024, o tabu foi quebrado após o clube paulista perder uma partida contra o Juventude, na semana de lançamento de "The Tortured Poets Department", o 11° álbum de estúdio da cantora. Entretanto, a artista segue como uma figura emblemática para os corinthianos, sendo símbolo da união entre o futebol e o pop. 

Recentemente, o rapper Veigh participou de uma campanha para o clube paulista e, em seguida, anunciou o lançamento de um single intitulado 'Taylor'. Tree Paine, integrante da equipe de relações públicas da cantora, começou a seguir o artista nas redes sociais e o ato desencadeou diversas reações dos fãs. "União Tayrinthians! O dia que a Taylor vai usar uma camisa do Corinthians está cada vez mais perto", disse uma torcedora e swiftie. Contudo, o fato foi motivado pelo uso indevido da imagem da artista na capa da faixa, que foi modificada posteriormente.

A relação entre Taylor Swift e o Corinthians evidencia que entre os cantos de torcida e os refrãos de sucessos internacionais, há um denominador em comum: a capacidade humana de se conectar, através da sensação eufórica de estar vendo um ídolo com uma multidão que compartilha os mesmos gostos. Essa bela expressão de vulnerabilidade, seja ela nos palcos ou estádios, não deveria ser regulada por gênero ou estereótipos.


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